quarta-feira, 6 de outubro de 2010

      Poemas do livro:




    A Poética da Tarde






Ponto

Entardece.
À cena,
a tarde
me olha.
Acena.




Contraponto

Nada há de mais cruel
que o poente.
Entardecer, entretanto,
é belo demais
para o pranto.




O chamado

Entre tons e entre cores
da hora extenuada do dia,
os olhos da tarde me olham.
Lembro a minha cara rosada
de menina.
Toco o resto do rosto.
Hora de suspender a lida
do vasto lume do dia.
—Bem-vinda metade sépia!
Senhora de câmaras mais profundas
em substância e cor
toma-me sem muito alarde
ou clarão
das manhãs que me acenderam.
Circunda-me com essa coisa trigueira
que aos olhos não pune
porque outra beleza, aqui,
existo buscando.
É só.



 “Livrai-me, amiga, dos entulhos do dia
e da crosta fatigante de carne e véu”.
E enquanto cinzela, golpeia e esculpi
as linhas brutas de meus contornos,
deixa cair sob os meus olhos
uma claridade de verso
e em meus ouvidos
uma estridência de prosa.
Cerne desvendando,
canto jorrando,
quase música.
Ritmados sons.
Tanto de vida em mim
mais flama.
E funde.
E fica.

Rotina

é a zona de fronteira.
Espaço da casa.
Paredes da casa.
As sombras da tarde deslizam.
Entardece uma dor
saudosa do dia,
enamorada de si mesma,
pois que,
a tarde
de tanta luz precedida
sou eu
me banindo de mim?
Inevitável.
Clara casa eu era!
Estranho...
Eu me sabendo
sem o temor das sombras
avançando sobre o tapete.
Tem gente que morre de medo.
O arroz com feijão de sempre,
o fastio,
a agonia comprida,
é que recolhem as roupas do varal?
Eu?
Não guardo nada.



 
Bricabraque


O adiante é aqui.
E cá estou
pisando nesta página
de saltinho baixo,
volumes inesperados
que as horas vão sulcando
à medida das manhãs.
Nunca contei a ninguém
o quanto negocio comigo mesma
as minhas desordens,
ajeitando-me aqui e ali,
na ordem redonda de cada dia.

Às vezes despetalando,
rosa arrancada e seca,
não me reconheço.
Rosto nenhum,
corpo nenhum.
Minha forma é movimento
e sou igual a tudo no mundo.
Meus volumes agravando
para o fundo
matéria para idéia,
eu sem entender essas coisas.
Peça de quebra cabeças
procurando espaço,
aqui e ali
sou parte da paisagem.
Mas uma coisa concebo de bom grado:
Não sou deterioração
ou antecipação.
Estou aí.
Vértice de mim.
Humana de duração,
imensa de espírito.
Para o que me submeto,
atravessa e trespassa ,
olho para trás.
Mais barulho que tudo.
Com o peso da tranqueira toda
colado na alma
sou, de dentro para fora
colada na vida.
Mais de cinqüenta emendas
rumo ao poente.
Alguma antiguidade
em forma de craquelê
e um pouco de ruína.
Ora...ora...
Segue, pois, uma poderosa dama!
Tudo o que perdi
a vida me deu.

 
No mais, não há espanto.
Apenas o presente
com traços mais plácidos,
conversa mais seleta,
dessas de mim pra mim.
Uma sacodida de ombros
só para dizer:
 Estou livre dos temores
dessa  coisa terrível
que é a esperança.

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