quarta-feira, 6 de outubro de 2010

                  APRESENTAÇÃO DO MEU SEGUNDO LIVRO


                      A POÉTICA DA TARDE

            Toda poesia se alimenta de uma grande missão espiritual.  A poesia está para alma assim como a respiração está para o corpo.
O poeta é uma natureza emanada da alma, uma presença extraordinária e livre no tempo e no espaço. E a poesia é o viés por onde ele se revela.
No poema “Eu não sou eu”, Juan Ramón Jiménez esclarece esta afirmação:
“Eu não sou eu/ sou este/ que vai ao meu lado sem que eu o veja, / que, às vezes vou ver/ e que, às vezes, esqueço. / O que cala sereno quando falo, / o que perdoa, doce, quando odeio,/ o que passeia por onde não estou,/ o que ficará em pé quando eu morrer.”
Escrevia Rimbaud: “ Eu é um outro”, ou seja, o poeta é uma presença invocada e encarnada no autor.  Entretanto este “outro”, também chamado de “eu poético”, não destrói o “eu real”, o humano; ao contrário, ele o completa.  É bem verdade que a poesia constrói-se de sensações, no entanto ela é essencialmente humana, pois embora o processo poético se dê na esfera sensível, no plano subjetivo, não há como separa-la das experiências de vida real do autor. Conforme eu disse, o poeta só se revela quando ele mesmo culmina no poema.  E a ferramenta usada para este desvendamento é a palavra, outra característica genuinamente humana.
Outra admirável definição de poesia vem das palavras de Eliot não como uma doutrina literária, tampouco estética, mas apenas uma necessidade pessoal.  A poesia não é a libertação da emoção, mas uma fuga da emoção; não é a expressão da personalidade, mas a fuga da personalidade; mas, é claro, só os que têm personalidade e emoções sabem o que significa fugir dessas coisas”. Para ler poesia é preciso ser naturalmente comprometido com ela.
“A Poética da Tarde” não poderia nascer se não a precedesse estas questões. Viver é um ato generoso da vida. Mas há algo novo que me inquieta desde quando comecei a preparar este livro: o entardecer da minha vida não é mais uma idéia. É um fato. Uma “nova face” me olha.  Como defini-la? Em quem estou me transformando? O que deve mudar? O que pode durar?  Este livro é um recurso íntimo para exprimir as diferentes tensões deste poema vivo do “continuar a ser”.
A primeira questão, entretanto, é conseguir transferir para o papel a intensidade poética da imagem do pensamento. O pequeno poema do início do livro dá sentido ao que digo: Entardece. À cena, a tarde me olha e acena.  A palavra Entardece de imediato remete à idéia de passado. Entretanto a intensidade poética desta mesma palavra a faz desgarrar do seu sentido original para potencializar em Entardece a idéia de tempo, de duração, ou seja, o entardecer da vida como continuidade da existência. Uma nova idade se apresenta.
Em seguida Entardece. À cena... Além de definir-se como pano de fundo para a tarde vista na foto, À cena é a representação do instante, do agora. O entardecer é agora. A cortina está aberta para um novo ato.
E por fim, Entardece. À cena, a tarde me olha e acena. A tarde me olha, pois que, se poematiza a partir de mim. ... e acena. Este gesto não é só de despedida do dia iluminado, mas é também um chamado.  Com as luzes da juventude abrandadas eis um convite para o “continuar a ser”. Olho para a minha tarde como um grande presente! As luzes mais fortes do dia se foram; luzes mais serenas emanam de mim, pois que agora estão em mim.
Mas é muito difícil o diálogo do pensamento, o ilimitado, a ilusão com a palavra. Mas este o é ofício do escritor: ler muito, pensar muito, para buscar no universo tão vasto da linguagem a palavra mais fiel ao seu pensamento. Mas afirmo: ele jamais a encontrará, pois que é exatamente o ilimitado que mantém viva a sua alma de poeta.
              Em grande parte deste livro os poemas são escritos em versos livres, pois que não se fecham em si mesmos em imagem e sentido. ( ... Entardece uma dor.../.... eu me sabendo/ sem o temor das sombras/ avançando sobre o tapete...). Nota-se o verso partindo para outra linha como continuação do anterior.
               Na segunda parte do livro os poemas são mais musicais. O ritmo e a rima estão presentes, embora não estejam corretamente versificados e a métrica tradicional não apareça... Como é possível meu amor atrasar?!/Da triste espera que me inquieta o peito, /o que me resta é escrever sem jeito: /Dorzinha danada, essa que dói de amar!
                 Por fim, A Poética da Tarde é o pensar livre do poeta no incessante devir. Para isso opõe-se ao tempo real marcado pelas horas do relógio. O poeta vive lapsos de tempo entre o instante presente, o “sendo”, ( ... vivo no entretempo da cena doméstica...) para o “presente passado o “ sido”,  ou “presente querido das coisas passadas” ,  ( ... giro no movimento contrário ao movimento do mundo...).  Tudo isso para expressar o “sendo“ em sua totalidade como única e possível existência. (... E se eu morrer amanhã/não há o que temer/tampouco a perder. /A morte não tem consciência da vida...) . (...Única é a vida!).
               Mas não há livro sem leitor.  Portanto eis aqui um convite para que ele justifique definitivamente o este seu papel.
                                                                                      A autora.

2 comentários:

  1. Querida, como disse um poeta:
    "A poesia é o que em um poema, te faz rir, chorar, espetar, ficar em silêncio, faz as unhas do pé brilharem, faz você querer fazer isso ou aquilo, ou nada, faz saber que você está sozinho no mundo desconhecido, que o sofrimento e a sua felicidade é sempre compartilhada, e para sempre toda sua. "
    Dylan Thomas

    Parabéns pelo início desse blog, que com certeza, virei visitar sempre para poder ser parte desse seu universo de sonhos, palavras e sentimento!!!
    Bju grande
    Inez

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  2. Thanks a lot querida.
    Muito difícil a construção.
    Estou apanhando.

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